“A Terra é o meu quilombo”
Fonte: Acervo Maria Beatriz Nascimento
Você está diante de uma das pessoas que tem seu nome escrito nas páginas do Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Estamos falando de Maria Beatriz Nascimento, historiadora, professora, roteirista, poeta e líder do feminismo negro, nascida em 1942, em Aracaju (Sergipe) e autora das palavras1 que batizam essa edição do Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e do Dia da Consciência Negra.
Escolhemos conduzir esse texto tomando como fio condutor a vida e obra desta intelectual não apenas em virtude de suas vultuosas contribuições, mas, também, em função dos enlaces de sua trajetória com assuntos de grande envergadura de nossa vida social.
Um desses enlaces tem relação com sua atuação acadêmica e militante: Beatriz Nascimento passou no vestibular em 1969 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde conclui o curso de História em 1971. Tempos depois, ladeada por outros pesquisadores negros, fundou o Grupo de Trabalho André Rebouças na Universidade Federal Fluminense (UFF). Lá, concluiu, em 1981, o curso de pós-graduação Latu Sensu em História do Brasil. Entre os temas de seu interesse, estava a questão dos quilombos, assunto de extremada relevância na formação territorial brasileira. O que nos leva, aliás, a sublinhar os assombrosos desafios enfrentados pela população quilombola que, em 2023, pela primeira vez, apareceu no retrato do Censo.
Outro feito inédito é Iphan assina hoje a Portaria de Tombamento dos Quilombos.
Em breve, nascentes de igarapé, ruínas de pedras no meio de matas e roçados de ervas medicinais podem figurar na lista de bens tombados brasileiros com a mesma importância de antigos palácios, fortes e casarões para a história do País. Esse é um dos efeitos pretendidos pela Portaria que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) assinou hoje, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, para regulamentar um novo instrumento legal de tombamento de quilombos, com seus territórios, elementos naturais e arquitetônicos, práticas e ritos tradicionais (Fonte: Iphan)
Por outros, nas estatísticas mais recentes da saga - das chagas - da população quilombola em busca de assegurar sua existência, verificamos que a média de mortes de quilombolas dobrou entre 2018 e 2022. Junto a isso, segue rarefeito o número de terras demarcadas.
Seguimos guiados pelos caminhos abertos por Beatriz Nascimento para contar que ela também se debruçou sobre as relações entre racismo e educação. Nas análises, a pesquisadora aliou estudos, observações de campo e suas experiências como estudante negra e denunciou as violências às quais os corpos negros são submetidos nas instituições de ensino.
Tais constatações nos conectam à Nilma Lino Gomes, estudiosa das questões étnico-raciais e autora de artigos como “Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural?” e “Estudos e pesquisas sobre educação, raça, gênero e diversidade sexual”
Fonte:Literafro
Nilma Lino Gomes, lembramos, é uma das pesquisadoras citadas em edições passadas, junto a outros cientistas como Sônia Guimarães, Milton Santos, Kabengele e Nina da Hora
Sobre o racismo no espaço escolar e outros ambientes, mencionamos também a entrevista que a escritora Bianca Santana concedeu ao podcast Café da Manhã:
Vale ler: 20 anos da Lei nº 10.639: como estamos hoje?
Falando em educação cabe lembrar que Lula sancionou mudanças na Lei de Cotas que incluíram quilombolas e reduziram a renda máxima. Junto a esse comentário há ainda espaço para indicar a entrevista que a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) concedeu ao podcast O Assunto a respeito da Bancada Negra no Congresso:
Antes de prosseguir, uma dúvida: como estão as coisas aí onde você mora? É bem possível que diversas atividades, em repartições públicas, empresas e escolas**, etc, estejam rolando normalmente, posto que em apenas seis estados o 20 de Novembro é feriado. Como lembra Benedita da Silva, seria importante, no entanto, que Zumbi dos Palmares fosse visualizado não apenas como herói das pessoas negras, mas como herói dos(as) brasileiros(as).
** Nessas escolas houve alguma menção sobre o dia de hoje? Nelas, ao longo de todo ano, e não somente em datas isoladas, há a presença de conteúdos referentes às leis 10.639/2003 e 11.645/2008 nas diferentes disciplinas? Quais razões explicam as ausências?
Vale ler: Mais de 70% das cidades não cumprem lei do ensino afro-brasileiro
Um outro aspecto a ser destacado da caminhada de Beatriz Nascimento diz respeito às suas reflexões que interseccionam raça e gênero:
O pensamento de Beatriz Nascimento também foi fundamental para o entendimento das práticas discriminatórias que pesavam sobre os corpos das mulheres negras, sendo um dos expoentes do que hoje é conhecido como feminismo negro. Nos anos 1980, chamou atenção para a condição de subalternidade a que a maioria das afro-brasileiras estavam imersas no mercado de trabalho. […] Nos dizeres da ativista do Movimento Negro, “se a mulher negra hoje permanece ocupando empregos similares aos que ocupava na sociedade colonial, é tanto devido ao fato de ser uma mulher da raça negra, como por terem sido escravos seus antepassados” (1976, apud RATTS, 2007, p. 104). (Fonte: Literafro)
Vale ler:
Texto da lavra de Beatriz Nascimento intitulado A mulher negra no mercado de trabalho.
As denúncias verbalizadas por Beatriz Nascimento ecoam também na voz de Elza Soares sobre quem comentamos em uma de nossas edições.
Por falar no mundo das artes, vale dizer que Beatriz Nascimento é também conhecida em virtude do documentário Ôrí - palavra em iorubá que significa cabeça e é utilizada para se referir a uma intuição espiritual e destino - para o qual emprestou textos e sua voz.
A obra, lançada em 1989 sob direção de Raquel Gerber, focaliza as trajetórias dos movimentos negros surgidos no Brasil no ínterim de 1977 a 1988, passando pela diáspora africana e pelos quilombos. A seguir, o trailer:
O ofício de Beatriz Nascimento passava também pelas letras, o que pode ser percebido tanto em relação aos seus poemas, como em sua incursão na faculdade de Comunicação Social (UFRJ). Sua dissertação, porém, não foi defendida: a intelectual foi assassinada em 1995 por um companheiro de uma amiga a quem havia aconselhado a findar o relacionamento marcado pela violência. Tal crime nos liga, de maneira dilacerante, aos casos de feminicídios, extermínio da população negra, necropolítica, racismo ambiental e às execuções como as de Marielle e Mãe Bernadete2.
Marielle, presente! Mãe Bernadete, presente! Beatriz Nascimento, presente!
Veja, leia e ouça também:
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Quilombo é onde estou:
Estudo mostra diferenças na abordagem sobre África em livros de geografia alemães e brasileiros
Abolição da Escravidão: do abolicionismo aos debates contemporâneos:
Obrigado pela atenção e até a próxima.
Viva Zumbi, Viva Dandara! Viva Marias, Mahins, Marielles!
Créditos
Equipe: Ana Clara Liberato Costa; Cailaine Vitória Paraguai dos Santos; Weder Ferreira e Higor Mozart
Financiamento: Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais | Projetos de Ensino - Ações Afirmativas - Edital Nº 28/2022.
Coordenação: Higor Mozart e Weder Ferreira
“A Terra é o meu quilombo. Meu espaço é meu quilombo. Onde eu estou, eu estou. Quando eu estou, eu sou.”
As informações sobre a trajetória de Beatriz Nascimento foram extraídas do Literafro.