Saravá, Rio Grande do Sul!
"Eu falei para a Janja domingo: é impressionante, eu não tinha noção que no Rio Grande do Sul tinha tanta gente negra. E no Fantástico apareceu muita gente, eu falei 'não é possível'", disse Lula.
E aí, a Janja me falou: 'É porque são os mais pobres, que moram nos lugares mais arriscados de serem vítimas dessas coisas' (Fonte: G1, 15/05/2024; fala proferida quando o presidente esteve no Rio Grande do Sul por ocasião das chuvas que assolaram o estado )
Não é incomum encontrar quem desconheça que no estado mais branco do país, 20% da população é negra; sendo 710 mil pessoas autodeclaradas pretas e 1,6 milhão de pessoas que se identificam como pardas (Fonte: Dados do Censo IBGE 2022)1.
Quilombos
Vale também destacar a existência de 17,5 mil quilombolas nas terras gaúchas, o que corresponde a 0,16% da população do estado2; estatística obtida a partir do último recenseamento que incluiu, pela primeira vez, mencionado grupo.
E antes mesmo do IBGE, Cláudia Luísa Zeferino Pires e Lara Machado Bitencourt, lá em 2021, já haviam publicado o Atlas Presença Quilombola em Porto Alegre/RS (Volume 1 e Volume 2).
Racismo ambiental
Quando a primeira dama Janja da Silva sinaliza que muitos negros estão entre os mais pobres e que são mais suscetíveis de serem atingidos pelos desastres socioambientais, ela toca diretamente no conceito de racismo ambiental discutido na matéria “As mudanças climáticas e o racismo ambiental em Porto Alegre”.
Nessa mesma direção, destacamos os mapas produzidos por André Augustin, economista e especialista em planejamento urbano e pesquisador do Observatório das Metrópoles. Com base nos dados do Censo de Demográfico de 2010, ele gerou produtos cartográficos sobre o cenário de calamidade ao sul do país. Um dos mapas é sobre renda e outro sobre a questão racial3.
Fonte: André Augustin/Núcleo de Porto Alegre do Observatório das Metrópoles
Veja também:
Terreiros
Outra importante informação é a expressiva quantidade de terreiros e a elevada quantidade de pessoas que se declaram praticantes de religiões de matriz africana no Rio Grande do Sul. Tais aspectos são discutidos nas referências abaixo:
Por que Rio Grande do Sul tem maior percentual de adeptos de religiões de matriz africana no Brasil
‘Na Capital gaúcha não se dorme sem ouvir ao fundo o barulho dos tambores do batuque’
O documentário Cavalo de Santo, que se inspirou em livro homônimo de Mirian (Fundação Palmares/2011), trata da fé afro-gaúcha.
População diversa, demandas diversas
As jornalistas Flávia Oliveira e Isabela Reis, no episódio Rio Grande do Sul em colapso do podcast Angu de Grilo, chamaram atenção sobre a importância de ações e estratégias que levassem em consideração as especificidades das diferentes pessoas afetadas pela tragédia a partir de recortes que envolvem gênero, orientação sexual, etnia/raça, idade, localização, etc. Necessário refletir, por exemplo, sobre como o desastre socioambiental impacta os indígenas, quilombolas, refugiados/imigrantes, diferentes grupos etários (e aqui vale assinalar que o Rio Grande do Sul é o estado com maior proporção de idosos do país), grávidas, puérperas, etc.
Nos abrigos foram registrados casos de violência sexual, racismo, xenofobia, homofobia e transfobia. Para ler mais sobre este tema, recomendamos o texto “Como lidar com os mais vulneráveis nos abrigos do Sul” do Nexo. De forma complementar, separamos os links abaixo:
Mulheres em tempos de crise: uma tragédia dentro da tragédia do RS
Cheias atingem 80 comunidades indígenas no Rio Grande do Sul
Anteriormente em “Saravá, referências pretas!”
Saravá: 3º Temporada
Com essa edição, iniciamos nossa 3ª temporada apresentando duas novas integrantes estudantes do Ensino Médio: Emanuelly Vasconcelos Hilário (3º ano do Curso Técnico em Agroecologia) e Sabrina Estefani de Oliveira (2º ano do Curso Técnico em Informática). Além disso, aproveitamos para agradecer as contribuições e a convivência com as bolsistas Ana Clara Liberato Costa e Cailaine Vitória Paraguai dos Santos. Muito obrigado! = )
Créditos:
Emanuelly Vasconcelos Hilário, Sabrina Estefani de Oliveira, Higor Mozart e Weder Ferreira | Financiamento: Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais | Projetos de Ensino - Ações Afirmativas - Edital Nº 10/2024 | Coordenação: Higor Mozart e Weder Ferreira
A população negra no estado é invisibilizada de diferentes formas. Uma delas, por exemplo, ocorre quando as vivências negras no processo de construção de Porto Alegre são ignoradas. Esse, aliás, foi o tema de premiada dissertação “Territórios negros em Porto Alegre (1800-1970): geografia histórica da presença negra no espaço urbano” da professora geógrafa Daniele Vieira. Entre outros aspectos, a pesquisadora destaca que, na transição do século XIX para o XX, os territórios negros porto-alegrenses foram empurrados para as bordas da cidade em virtude de processos na região central que congregam modernização do espaço e branqueamento.
Se falamos em processos de apagamento, uma dica é conferir os episódios do Desapaga Poa, que tem o propósito de “desapagar os apagados da história de Porto Alegre”. Caso você queira conferir, deixamos indicados um dos programas, “Os territórios negros de Porto Alegre: o Areal da Baronesa, Ilhota, Colônia Africana e o Mercado do Bará”.
Caso se interesse, veja também: Tem negro no Sul e O Rio Grande do Sul também é terra de negros
Porto Alegre é a capital brasileira que reúne o maior número de quilombos urbanos do país.
Acrescenta-se que André Augustin realizou, em março de 2024, um curso de extensão intitulado “Neoliberalismo e Cidade: para quem se governa em Porto Alegre?”.